outubro 07, 2004

The Lurker e a despedida (ou o sofrimento é de quem fica)

Mergulho desde os sete anos de idade - culpa do Jacques Cousteau e seu "mundo submarino". Mergulho aparelhado (aquele com cilindro e bolinhas, inventado pelo próprio Cousteau) desde os 17. O mar sempre foi meu amigo, amizade recheada de respeito e uma paixão estranha para um sujeito que nasceu numa cidade a mais de 1.300 metros de altura e mais de mil quilômetros do oceano. Esta paixão me levou a pelo menos quatro cursos, realizados por várias certificadoras, desde o tempo em que isso não era tão "obrigatório". Sempre achei que o credenciamento e a carteira eram somente o início da coisa e que importava muito mais a qualidade do mergulho do que a estampa no plástico.

Nestes mais de vinte anos jamais encontrei alguém que me inspirasse tanta confiança como o Cristiano. Definitivamente o melhor instrutor que já vi, pelo prazer evidente em ensinar as artes do mergulho, teóricas e práticas. Possuidor de uma didática um tanto, digamos, pouco ortodoxa, mas "de resultados". As informações sempre corretas e na medida para a audiência. O mergulho é para jovens e velhos, como ele disse certa vez, citando o orgulho de ter instruído um casal de seus 70 e alguns anos que ficaram extasiados com a descoberta do fundo do mar. Com sua filosofia particular, de respeito, paciência e disciplina, o Cris formou diversas gerações de mergulhadores, técnicos e recreativos, fanáticos pelo mergulho, pela biologia, pela vida e por segurança. As operações embarcadas que acompanhei foram sempre muito bem conduzidas, tranqüilas, muito divertidas e bem orientadas.

Quem viu o Cristiano instruir um mergulho tem dificuldade em entender a notícia que recebi ontem (e a maneira como foi dada não ajudou em nada). É surreal, inacreditável mesmo, saber que um mergulhador com sua técnica, experiência de mais de 1.500 mergulhos, que realizou atividades a grandes profundidades, de risco, sofre um acidente em apnéia, com uma coluna d´água menor que 5 metros e no Lago Paranoá. Não. Não aceito. Um profissonal desses não se vai assim. É um desperdício, uma estupidez. Chega a ser injusto para uma carreira inspiradora como a sua. Inconformados os que ficam. Inconformada a comunidade.

Foi-se o instrutor correto, a pessoa que se indica no piscar de um olho, o companheiro de confiança para dentro d´água e o amigo para a terra firme. Fica ainda a frustração de não ter seguido a formação com ele, escondida sob a velha "falta de tempo". Estranhamente, esta continuação era um dos pensamentos recorrentes que me assaltavam ultimamente.

Você se foi, Zé. E a gente adorava você. Vamos sentir muito a sua falta e o próximo mergulho não vai ser a mesma coisa. O mar vai, certamente, perceber a sua ausência. Quando estiver com ele, vamos trocar histórias suas. Ele me contará as de baixo e eu as de cima d´água. Vá com Deus, meu amigo. Quem sempre foi um espírito livre, há de continuar a sê-lo aonde for. Qualquer dia a gente se encontra e, até lá, deixe um cilindro cheio e um tag com meu nome.

The Lurker says:
Om Asatoma Sadgamaya / Tamasoma Jyoti Gamaya / Myrityoma Amritam Gamaya
Da ilusão leve-me à Verdade / Da escuridão leve-me à Luz / Da morte, leve-me à vida eterna

- Oração Universal Hindu (traduzida do sânscrito)